Crise. A palavra mais
utilizada nos últimos anos. Não gosto nada dela. É simplesmente a palavra que
arranjaram para justificar medidas destrutivas para a nossa economia, para os
preguiçosos serem ainda mais preguiçosos e para validarem a emigração jovem e não tão jovem (vejam o caso de Fernando Tordo, por exemplo). Gostava
mesmo que encontrassem uma nova palavra. Temos um leque variado de expressões
no nosso dicionário. Por exemplo, incompetência. Preguiça. Oportunista.
Fico frustrada com todo
este sistema manipulado, que beneficia quem não quer trabalhar e prejudica quem
luta diariamente por um futuro melhor. Fico frustrada com a falta de
consideração pelos nossos idosos, muitos não têm pensão que sustente a medicação,
mas também não têm direito a nenhum complemento social. Fico frustrada com a
facilidade de muita gente viver à custa de subsídios e outros apoios sociais.
Fico frustrada por ver tanta gente a passar dificuldades. Fico frustrada porque
sei que o futuro não se avizinha nada colorido e não há nada que possa fazer.
Eu cá, que não vivo com os meus pais, não tenho direito a nada de nada.
Basicamente, é dizerem "Desenrasca-te!" Felizmente eu
"desenrasco-me", porque tenho uma rede de apoio, a minha família, a
continental e a açoriana. Mas nem todos têm o mesmo tipo de suporte.
Também trabalho para me manter independente. Não gosto de viver às custas dos outros, prefiro ser eu fazer os meus próprios sacrifícios. Ir ao cinema deixou de ser uma opção. Jantar fora ou sair à noite também. Apenas gasto o que tenho, não me ponho a inventar dinheiro, quando ele não existe.
Outra palavra que surgiu recentemente no vocabulário português é empreendedorismo. Hoje em dia, qualquer um pode ser empreendedor. Está sempre a passar na televisão casos de sucesso. Agora gostava de saber qual é o rácio entre aqueles que são bem sucedidos e aqueles que investiram as suas poupanças numa ideia e ficaram sem elas. Aqueles que investiram o seu dinheiro, o seu tempo em burocracias e no final ficaram sem nada. Nem sequer tiveram ajuda do Estado nem isenção de impostos, como alguns.
Já deixei de ser
patriótica e defender com garras e dentes este país. Que me desiludiu e me
desilude todos os dias. Não são só os políticos. É toda uma população que se
resigna com o presente, toda uma comunidade que não respeita o próximo. Onde
pára o dever cívico? Todos os dias tenho que me desviar das pessoas, porque se
não o fizer, vou ser abarroada. Já ouvi conversas que me deixaram desgostosa
com a capacidade de as pessoas julgarem alguém pela aparência, clube de futebol
ou aparelhos tecnológicos. Cada um é como cada qual.
O país precisa de cidadãos
formados e informados. Mas é preciso separar as águas. Não é obrigação das
escolas (ainda!) educarem as crianças mal-educadas e malcriadas que surgem nas
escolas. A sua função é ensiná-las, transmitir conhecimentos. Para que cresçam
com a consciência e sensibilização necessária para saberem que cada individuo é
especial na sua maneira de ser, que todos somos diferentes. É preciso que as
pessoas saibam que não são um número. Ou vários. Sinto que a sociedade se está
a transformar num monte de bolhas, cada um vive na sua e esquece-se do resto.
Fora dessa bolha estão colados todos os números que nos identificam,
contribuinte, segurança social, sócio da biblioteca, sócio do clube da
freguesia, eleitor,... Para além desta '"sociedade-bolha", somos uma
sociedade de consumo. A sociedade acredita na efemeridade dos recursos
existentes e na capacidade do planeta se regenerar. O cidadão e as grandes
entidades têm a capacidade fechar os olhos e não pensar sobre o que
efetivamente acontece com as "coisas" que consumimos diariamente. Recursos
básicos e primários, como a água e a energia, têm impactos prejudiciais a montante
e a jusante da sua produção. A maior parte desses impactos nem sequer prejudica
os cidadãos que consumiram este bem, mas populações dispersas por todo o
planeta e que, provavelmente, não têm acesso a energia ou a água potável. É imprescindível
formar cidadãos conscientes dos seus hábitos de consumo e incutir valores
sustentáveis às gerações futuras. No entanto, é deveras complicado transmitir
estes valores, pois a mensagem transmitida pelo governo e pelas empresas é que
é preciso consumir. Para a economia funcionar e sairmos da crise, é a
justificação dada. Basta comprar um novo telemóvel, um novo casaco ou uma nova
batedeira e tudo se há-de compor. A realidade não é esta, porque para se
produzir um telemóvel, casaco ou batedeira é preciso gastar bastantes recursos,
que durante, após e depois da sua transformação geram resíduos e emissões a
nível local, mas com impacto global. Chega de olhar para dentro da nossa bolha.
Porque não rebentá-la para tentarmos construir um lugar mais justo e
sustentável para nós e para as gerações futuras. A iniciativa tem de partir de
cima, não do individuo comum, cuja ação individual não tem qualquer efeito na sociedade.
Hoje fico-me por aqui com
estas palavras de revolta. Tenho mais, muitas mais. Para já, ficam só para mim,
não vá o "diabo tecê-las".
Rita D.*