Avó,
Se te escrevo estas palavras, é porque já não estás cá mais connosco. Fisicamente, pelo menos, pois nos nossos corações, tu estarás sempre presente. Parte do que sou hoje, devo-te a ti. E sei que não sou a única. Vi uma igreja cheia de gente para se despedir de ti que sei que sente o mesmo. Mudaste vidas. Educaste crianças sob os mesmo valores em que vivias. Criaste três filhas lindas e poderosas, que agora temem o amanhã sem a mãe delas. Caminhaste ao lado do avô e ajudaste-o nas suas conquistas. Amaste a Inha como se fosse tua própria filha. Mimaste os teus netos, de tal forma que eles hoje não sabem como viver sem ti. Recebeste os restantes membros da família e amigos sem qualquer julgamento. Não estive lá para ver. Mas sei disso por todos os dias que passamos juntos e porque a dor deles, neste momento, não engana. Nem me deixaste despedir de ti. Nem te disse adeus, nem o quanto te amo. Sabias disso, é claro. Mas fica sempre o arrependimento de nunca o teres ouvido da minha parte.
O dia em que nos despedimos de ti foi um tormento para mim. Senti-me sufocada. Queria fugir dali para fora, mas não podia. Ver tanta gente a sofrer e não puder fazer nada para aliviar essa dor, foi uma tortura. As horas pareciam intermináveis. Mas também ouvi o melhor elogia que podia ouvir. Tenho a tua forma de andar e as tuas expressões. É muito bom ouvir isso. Aposto que o meu pai acrescentava a rabugice. Estava sempre a dizer: “Estás a ficar rabugenta como a avó Tercília!”. Pois agora digo: “Ainda bem!”
As memórias da minha infância são muito vagas. Especialmente antes do acidente. Lembro-me apenas da costura. De me juntar a ti e fazer vestidos para as minhas bonecas. Mas o acidente mudou as nossas vidas. Mudou quem nós eramos. Ficamos mais fortes, lutamos contra muitas adversidades, mas vencemos todos os obstáculos. Até agora. Este obstáculo é demasiado grande para se contornar e vamos ter que subir. Todos nós, juntos. Vamos ter que nos ajudar uns aos outros para o escalar. Mas havemos de conseguir. Sabes porquê? Porque tu nos ensinaste a lutar. Foste tu que, depois daquele maldito dia 25 de Abril, nos ensinaste a levantar e a andar, independentemente das contrariedades que aparecessem pelo caminho. Moldamo-nos às novas circunstâncias da vida e continuamos em frente. É isso que vamos fazer novamente. Mas mais devagar, pois esta dor que vive dentro de mim é demasiado grande para me conseguir levantar já. Deixa-me estar mais um bocado a chorar a tua ausência. Este vazio é tão grande que não sei quando vai ser preenchido.
Mas as minhas memórias depois do acidente são mais consistentes. Lembro-me de me ensinares ponto de cruz, que já me esqueci completamente, já agora. Lembro-me do dia em que fomos comprar o traje para a faculdade. De me tentares ensinar a funcionar com a máquina de costura. Ou de passares a ferro as minhas cortinas, porque não tinha jeito nenhum pendurá-las com vincos. Pequenas coisas que vou guardar para sempre comigo.
Só há uma série de coisas que me deixam triste. Não vais ver os teus pequenos graduados. Não nos vais ver ter um extremo sucesso no mercado de trabalho. Não nos vais ver casar nem ver os teus bisnetos. Deixaste-nos demasiado cedo.
Se estivesses aqui hoje, tenho a certeza que nos ias ralhar a todos. Sempre foste um rochedo, o nosso rochedo, e nunca fraquejaste. E nós estamos todos de luto, porque partiste. Choramos e abraçamo-nos.
Sei que o amanhã vai ser melhor. Temos todos que descansar para a batalha que vamos travar nos próximos tempos. Precisamos de energia para o amanhã e para os dias em que respirar vai ser um tormento. Mas vamos ficar bem, eu sei que sim. Um minuto de cada vez, um segundo de cada vez. Prometo que vou ser forte, senão vou ouvir-te chamar-me “Menina!”. Destesto quando me chamas isso, porque quer dizer que estás irritada e chateada comigo ou com alguma coisa. Prometo que vou tomar bem conta do meu avô, da minha mãe, das minhas tias, mas acima de tudo dos meus primos. Já tenho muitas saudades tuas.
Um rosário de beijinhos da neta que te adora.
Rita