CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO
Antigamente, nos dias mais recônditos e mais distantes, era com dificuldade que encarava uma ida até Paredes de Coura. Não havia nada pior para uma adolescente de 11 anos do que perder um sábado ou um domingo inteiro em viagens de uma hora e meia para ver um monte de pedras. Para ver uma casa em construção. Para ver nada. A minha imaginação e frustração não me permitiam ver mais além. Ver e idealizar a casa, a qual hoje chamo lar.
Agora, olhando para trás, sinto falta desse monte de pedras. Do muro baixinho e irregular que contornava o terreno, lado a lado com a videira, conferindo-lhe uma particularidade nunca antes vista e admirada. A entrada sob uma videira fabulosa, que possibilitava, de instante a instante, a entrada de um raiozinho de sol. O contorno branco da janela principal, traço característica das casas do Minho, acompanhada de um banquinho, servindo de mirante do verdejante vale de Cunha. O portão, aí que saudades daquele portãozinho, tão fácil de abrir, tão inocente, tão frágil. As escadas, unindo as diferentes leiras, formadas por uma série de pedras, ou melhor, pedregulhos, montados como se fossem um puzzle e colados à terra. As portas azuis da casa, emolduradas em branco… Ainda temos as chaves dessas portas. São imponentes, grandes. São agora a chave das recordações e das memórias desses tempos.Hoje, todos estes elementos pertencem ao passado. Hoje a realidade é outra, que divergiu dos antepassados desta casa. Hoje passam por estas terras todo o tipo de pessoas. É uma casa de portas abertas a toda a gente, a chamada Casa das Leiras. Aparecem de vez em quando. Normalmente ao fim–de-semana ou nas férias. A maior parte das vezes são apenas quatro. O que traduz alguma tranquilidade, serenidade. Mas em outras ocasiões são oito, dez ou até vinte. E ainda há dias em que são mais que vinte. E a casa ganha vida. Ganha cor. Ganha luz. Ganha esperança.
Por este pedacinho de terra já passaram tantas coisas. Um casamento, daqueles que se vê nos filmes, tirando o facto de estar a chover como nunca se vira. A casa toda enfeitada, toda aperaltada. Que beleza. Tanta flor! Foi um bonito dia, esse dia do casamento. Também já passaram inúmeras festas de anos, algumas cheias de gente, outras nem tanto. De qualquer das maneiras, é a festa da família. Onde toda a gente se encontra e descobre o que é realmente importante. Fim-de-semana com os amigos de toda a vida. Tão jovens, tão ingénuos. Foi o fim-de-semana que simbolizou o início e o fim. O fim de uma vida em comum e o início da nova etapa, distinta para cada um de nós. Olhando para trás, recordo com saudade cada momento passado na companhia deles. Natais, Páscoas, passagens de ano, comunhões, festa de fim de época do voleibol e muitos outras… Encheram esta casa. Tornaram esta casa num lar. Num refúgio para os bons e os maus momentos. Se as paredes desta casa falassem, tinham inúmeras histórias para contar. Cada uma de cada pessoa, de cada personagem que por aqui passou. E há histórias tão belas, que nunca serão contadas.
Uma particularidade adorável desta pequena localidade é a separação da vida tecnológica. Apesar de todas as modernidades, o acesso às novas tecnologias parece tardar. O que é bom sinal. É sinal de um compasso mais lento, como se a cidade fosse a lebre e o campo a tartaruga. A rede dos telemóveis teima em chegar. A Internet só é acessível a um grupo restrito de habitantes. A televisão apresenta interferências, como diria alguém sábio, só se visualiza a guerra das formigas negras contra as formigas brancas. A banda sonora ora é portuguesa ora vem da terra de nostros hermanos.
Não há nada como o sorriso de um desconhecido aqui em Paredes de Coura. Enche-nos a alma saber que ainda há pessoas com um coração do tamanho do mundo e que se importam com os outros. Lembro-me perfeitamente do primeiro fim-de-semana que passamos cá. Não tínhamos fósforos para acender o fogão. Principiantes nestas artes rústicas, habituados ao fogão eléctrico. Os meus pais pediram-me para ir a casa do Sr. Ângelo e perguntar se nos emprestava fósforos. Acho que nunca me senti tão sem jeito em toda a minha vida. No Porto, tal acontecimento é praticamente inimaginável, a não ser o que vizinho seja um familiar. Devagar, devagarinho, lá fui eu. Com receio do desconhecido. Aqui, não existem campainhas. Não sabia o que fazer, mas lá me safei e voltei toda satisfeita com uma caixa de fósforos na mão. Tinha sido bem sucedida no meu primeiro teste! A partir desse dia, não tive mais receio em bater à porta de um vizinho. Em Cunha, lógico. Sempre que cá vimos, o Sr. Ângelo bate-nos à porta com algo para oferecer. Arroz doce, batatas, cebolas… É só escolher. E o que nós lhe damos em troca? Simples. Atenção, carinho e respeito. É avassalador ver o brilho dos olhos dele. Aqueles olhos azuis.
Aqui, qualquer estação do ano é deliciosa. Temos a Primavera, quando todos os animais saem das tocas, as andorinhas regressam, os prados retornam ao seu verde característico e as flores desabrocham. É simplesmente mágico. Temos o Verão, um calor insuportável, remediado por um mergulho na piscina, fins-de-semana inacabáveis com a família e amigos, piqueniques e passeios. Temos o Outono, época de cor, com o laranja, o verde, o vermelho, o castanho e o amarelo a destacarem-se nas árvores, sente-se as primeiras gotas de chuva e o friozinho começa a apertar, a avisar a chegada do Inverno. É necessário começar a tomar precauções como as formigas. Temos o Inverno, altura de acender a lareira, comer castanhas, ver bons filmes e andar enroscado numa manta ou vestir os casacos mais antigos e mais quentes.
A vida aqui segue a passo mais lento, mais pausado. É possível respirar e absorver a magia do dia-a-dia. É possível ficar horas infinitas só a olhar para o horizonte, sem dar conta do tempo. É possível sorrir, apenas com uma flor. Hoje anseio pela hora de ir para Paredes de Coura. Lá sou feliz! Lá sou eu.
Nunca pensei que aquele pequeno "castelo" na paisagem verde fosse marcar tanto o teu coração dourado! Fico feliz por te ver crescer com oportunidades de SER!
ResponderEliminarOlá!
ResponderEliminarSenti muito a tua fantástica descrição, senti saudade, senti o barulho da agua da piscina durante o jogo de bilhar, senti nostalgia, senti o barulho do vento, senti o arroz que comiamos ainda não totalmente cozinhado, senti a vossa falta
Um beijo do tamanho do mundo deste sempre amigo
José Leal..... em Maputo!
Olá, Ritinha
ResponderEliminarIsso é mesmo o paraiso?! Estou curiosa.
Consegui sentir tudo o que foste escrevendo. Eu também conheço um local com essa "magia"...
Xi-coração
Fernanda
Excelente descrição, dá vontade de passar lá para confirmar os pormenores um a um... :)
ResponderEliminarAh!Não são todos os que se podem gabar de ter a mãe a comentar o blog com frequência... Somos uns privilegiados! (não é um orgulho???)
Beijos, continua - tens jeito pra isto...
Amiga, aqueles fins d semana erraticos em que cantavamos, uns mais afinados outros, como eu, nem tanto...conversas animadas entre um mergulho ou outro na piscina...Que saudades!Do paraíso, de nós...
ResponderEliminarBjx
Muito bem, Rita! És uma garota sensível e tens muito jeito para isto.Fico com vontade de conhecer Paredes de Coura agora, não pelo festival,mas pela descrição que mais parece ser de um "reino maravilhoso",como diria Miguel Torga.
ResponderEliminarContinua, mas agora fico particularmente interessada pela vivência em Itália ou não estivesses tu em companhia da minha querida Sara!
1 beijinho mto grande para as duas.
ah! Pádova, em Fev, tb poderá ser tão bonita qto Paredes de Coura...
li o que escreveste sobre a nossa Paredes de Coura e senti um aperto no coração e uma lágrima no canto do olho. A menina escreve muito bem e com alma,gostei muito e gosto muito de ti, Lindinha
ResponderEliminarTenho uma vontade enorme de conhecer Paredes de Coura, ainda mais agora depois dessa descrição. Sou brasileira, filha de mãe portuguesa e meu sobrenome paterno é Coura.
ResponderEliminarUm abraço
Angela